sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Pacto


Fazia um tempo que minha mãe havia desistido de viver. Para evitar um possível suicídio, meu irmão e eu fazíamos pequenos turnos para vigiá-la à noite. Ele trabalhava durante o dia para ganhar nosso sustento enquanto eu cuidava de nossa mãe. Aliás, vivia em prol disso. Não tinha amigos, parei de estudar depois que completei o ensino médio, não curtia a minha própria vida; sequer sabia quem eu era e se verdadeiramente estava viva.

Após a morte do meu pai, há cerca de um ano, minha mãe entrou nesta maldita crise depressivo-suicida que não tinha medo do inferno que a livrasse deste maldito pensamento insano.

Estava olhando pela janela do quarto da minha mãe, que era no segundo andar de frente para a rua onde havia uma praça, e via as pessoas sorrindo, namorando, fazendo cooper, crianças alegres brincando de pique... e eu, desejosa por fazer as mesmas coisas, me perguntava:

— “Quando será que a minha vez de ser feliz?” — em seguida, baixei o semblante e voltei à minha prisão domiciliar.
Não aguentava mais aquele fardo sobre os ombros. Eu queria liberdade! — É pedir demais querer ser livre? — Então, pensamentos homicidas começaram a tomar conta de minha mente, ativando minha natureza humana.
A malevolência bloqueava-me os pensamentos sobre as consequências que eu poderia sofrer futuramente. Eu estava completamente cega de raiva. Só pensava em morte; queria ver sangue esvair-se do corpo da pessoa que roubara a minha felicidade; a felicidade de uma menina de apenas dezenove anos.

Segui até o quarto de Sam. — apelido carinhoso que dei a Samuel, meu irmão; que, aliás, é policial. — Abri a gaveta do seu criado-mudo, puxei sua Magnum lá de dentro, a carreguei e a engatilhei. Voltei até o quarto da mamãe e apontei aquela arma em sua direção. Ela estava com os pulsos amarrados na cabeceira da cama para evitar que se machucasse. Aproximei-me e esbravejei, usando um eufemismo irônico:

— Tanto quis morrer que agora comerá capim pela raiz! — chorei trêmula.

Mamãe sequer reagiu, parecia que matá-la era um favor que eu faria para ela.

— Você roubou um ano da minha vida! Um ano de alegrias, amizades... um ano de realizações! Você — solucei. — não merece viver, sua maldita dos infernos!

Ouvi o ranger da porta. Meu irmão havia chegado. E ao perceber o que acontecia, retrucou apavorado:

— O que está fazendo, Sarah?

— O que devíamos ter feito há mais tempo! — respondi, afogada no meu próprio ódio.

— Do que você está falando, Sarah? — perguntou assustado. — Com os olhos fixos em mim, Sam aproximou-se da mamãe, sentou-se sobre a sua cama, desamarrou os punhos dela e a ajudou a se levantar — Ela é a nossa mãe!

— Cansei disso, Samuel. Cansei de tudo! Que eu saiba é a mãe que deve que cuidar dos seus filhos e não o contrário! Saia da frente dela, Sam! Eu quero ser livre! — gritei.

— Não Sarah! Se você matar a mamãe, nunca será livre! Você vai cavar a sua própria cova. Sarah, você será presa! — esbravejou indignado.

— Ela já me destruiu o bastante; se eu me destruir um pouco mais, ao menos terá sido eu mesma a fazer algo contra mim!

— Sarah, escuta; isto não faz o menor sentido.

— Saia já da frente dela, Sam! — gritei impaciente.

Samuel ergueu sua arma e disse:

— Sarah, solte a arma, senão vou ter que atirar!

— Dane-se! — retruquei. — Quer me matar? Então isto vai se tornar uma guerra pessoal entre nós, Sam?

— A culpa não é minha, Sarah!

— Ótimo! Então os dois vão morrer!

Atiramos ao mesmo tempo um no outro.

Quanto à minha mãe... bem, após os tiros ela se levantou gloriosa, veio até nós e nos olhou bem no rosto. Após alguns segundos nos observando com um olhar vitorioso ela disse:

— Príncipe das Trevas, demorei mais de um ano, mas tinha certeza que conseguiria fazer com que meus filhos se matassem mutuamente, como o senhor queria. Agora minha família está morta. Não era este o seu desejo? Então: meu pagamento já foi efetuado. Agora, dê-me a vida eterna como combinamos.

Após alguns minutos sem reposta, minha maldita mãe olhou para mim e para meu irmão mortos no chão e começou a gritar:

— Lúcifer, onde está você? Desgraçado! Quero viver para sempre como você me prometeu.

— Lúcifer! Apareça!

Silêncio.

(Kim Montebello)


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