segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O resgate


  A hiperatividade a mantinha em constante alerta. Havia dias que não conseguia dormir mediante a circunstância vivente. Ela estava perdida e tão só naquela imensa floresta fúnebre e amedrontadora. Por mais que tentasse subir nos arbustos para tentar retomar a direção certa, as únicas coisas que conseguia eram farpas espalhadas pelo corpo e rasos cortes que pareciam ser ganhos com a pressão de uma navalha sobre a pele. Apesar da sonolência querer repousar em seu olhos, ela lutava com toda a sua força para não ser vencida.

Sua caminhada levou-a a um riacho e sem acreditar por um instante, coçou os olhos, pois acreditava ver apenas uma miragem. Ao encarar novamente as águas cristalinas, tentou um sorriso com o canto dos lábios e destruída pelo cansaço, caminhou tropeçante em seus próprios pés até a margem, deixando o peso da exaustão vencer sua vontade de permanecer de pé e, imediatamente desceu sobre os joelhos, curvando-se para frente. Após alguns segundos, fez suas mãos de cuia e tomou um pouco de água.

Ela podia ouvir vozes se aproximando e tentou gritar, mas o cansaço a impedia de emitir sons.

- Emilia!Emilia! - diversas vozes se dividiam pela floresta e, ela ali, impossibilitada de sussurrar ao menos um pedido de socorro.

De repente, um helicóptero de resgate sobrevoou o riacho e Emilia, conseguiu encarar o veículo. Com o resto da força que ainda possuia ergueu seu braço direito e, em seguida, notou que o helicóptero mantinha-se em manobra de pouso, poucos minutos depois, viu alguns homens correndo em sua direção.

Emilia sentiu um grande alívio, pois sabia que o resgate estava próximo. Seus amigos e professores que haviam acampado consigo há cinco dias, saíam dos quatro cantos da floresta e se achegavam, muito horrorizados à margem do rio. Uns até choravam em profundo desespero, outros escondiam a face no ombro do amigo. Emilia até compreendia o desespero provindo deles, devia estar feia, mal cheirosa e desnutrida. Mas não! Ela não sabia o que os motivava tanto ao chôro e conseguiu falar quase num sussurro:

- Oi gente, acho que me perdi! - ela os encarou e tentou um pequeno sorriso.

Mas, Jaime, Pedro, Melissa, Pierre, Vanessa, o professor Marcelo e a professora Valéria olhavam mais adiante. Os bombeiros caminhavam mais adiante e ela não compreendia o porque.

- Gente... eu estou aqui! - tentou exaltar-se.

Porém, seus amigos e professores ainda em profundo desespero olhavam mais adiante e, curiosa, Emilia, com o restante de forças que sobrara em sua alma, virou sua cabeça para o lado e viu a imagem que tirava lágrimas de seus conhecidos: os bombeiros resgatavam da água um corpo inerte e já fétido.

- É ela! É a menina da foto! - Sargento Marques esbravejou fazendo meus amigos chorarem e se lamentarem ainda mais.

- Não pode ser! - Pedro, seu namorado, não se continha e banhava sua face em lágrimas.

- Quem é que está morta? Quem é a menina da foto? - inocente, Emilia indagava, porém ninguém a respondia.

Marques se aproximou do professor Marcelo, entregou a tal foto e pronunciou:

- Sinto muito, a causa da morte foi afogamento.

Marcelo comprimiu os lábios e chorou, talvez pela dor da perda, talvez pelo processo que teria que responder futuramente mediante a falta de responsabilidade. Ele, então, baixou os braços e sem perceber virou a foto, neste momento Emilia pode ver... era sua foto favorita, fotografia esta, que havia presenteado Pedro com uma linda declaração de amor em seu verso.

Ela enlouqueceu naquele momento, pois sabia o que havia enfrentado naqueles cinco dias; aquilo não poderia ser apenas uma mera imaginação, foi real! Ela podia sentir. Não! Se estivesse morta ela não teria  passado pelas experiências que viveu ou...

- Deus! - ela imaginou – Será que isto é o purgatório? Será que estou presa num ciclo infinito onde vejo a cada dia o resgate do meu corpo? Não! Não pode ser.

Após alguns minutos, os bombeiros caminharam segurando a maca com o corpo de Emília, um vento provindo do sudoeste fez erguer o lençol branco que antes cobria sua face revelando a sua palidez cadavérica; seus olhos foscos e mortos moviam-se e encaravam seu espírito enquanto era carregada pelos homens de farda.

- Não me deixem aqui! - ela esbravejou; 

Enquanto isso, uma tempestade se aproximava com inúmeros raios cortando o céu – Não me deixem... - ela sussurrou, estendendo o corpo no chão sentindo a areia ferir a lateral esquerda  da face. - Eu não estou morta! - desesperou-se, observando-os partir - Eu vou matar todos vocês, eu juro! - Após pronunciar esta frase, seus olhos esbranquiçaram e um sarcástico sorriso tomou sua face. 


Kim Montebello

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